Componentes químicos do tempero mais comum da mesa brasileira impedem a formação de coágulos que podem entupir os vasos e causar derrames.
Beatriz Castro - Rio de JaneiroÉ notícia boa. E vem das universidades brasileiras: sabores variados e saúde em dia têm tudo a ver. Os pesquisadores não precisaram ir longe para encontrar as primeiras pistas.
“Salsa batidinha por cima do salpicão, do arroz de forno. Eu uso salsa para tudo, porque ela também faz bem para o coração”, diz a aposentada Dirce Corrêa.
No Mercadão de Madureira, na Zona Norte do Rio, o conhecimento é passado de geração em geração. Dona Dirce, dona Olinda, dona Célia, dona Fátima: vidas inteiras dedicadas às ervas brasileiras.
“A salsa serve para tempero e serve para os rins. O chá é um santo remédio para expelir pedras dos rins”, afirma a feirante Fátima Barros.
Que a salsa era boa para os rins, a ciência já sabia. Mas uma pesquisa com moradores do estado do Rio surpreendeu os especialistas do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O farmacêutico Douglas Chaves descobriu o que estava na boca do povo: a salsa, além de diurética, afina o sangue.
“Nós observamos que a população
utiliza essa espécie para fins medicinais e, principalmente, para o afinamento do sangue”, conta o farmacêutico.
Será? O jeito foi pesquisar. “Fazemos um processo de extração das substâncias da salsinha através do cozimento da planta realizado sob um aquecimento”, explica o farmacêutico Douglas Chaves.
A pesquisa trouxe uma descoberta sensacional: o tempero mais comum da mesa brasileira pode combater um dos males mais comuns da Humanidade: as doenças cardiovasculares, que atingem hoje 30% da população em todo o mundo.
Os pesquisadores ainda procuram algumas respostas. Qual é a quantidade necessária de salsa para prevenir as doenças circulatórias na população em geral e qual é a dosagem que pode funcionar como remédio para os pacientes com trombose? Na busca das repostas, eles já chegaram a algumas conclusões animadoras.
Componentes químicos da salsa agem na circulação. Eles impedem a formação de trombos, coágulos que podem entupir os vasos e causar derrames.
Flávia faz uma demonstração. Uma amostra de plasma que não teve contato com a salsa fica gelatinosa depois da coagulação. Enquanto isso, o plasma sanguíneo que teve contato com a salsa permanece líquido por um longo tempo. Isso mostra que a salsa inibe a formação dos coágulos. A salsa só deve ser evitada pelas mulheres grávidas, pois pode provocar sangramentos.
“No fundo, nossas avós estavam certas. Estamos mostrando que, realmente, a salsa 'afina' o sangue, serve para melhorar a circulação e prevenir a formação de trombos”, diz a bioquímica Russolina Zingali.
Com as novas descobertas, a salsinha, que todos conhecemos tão bem, pode virar um grande remédio.
“Uma pílula de salsa”, adianta Russolina Zingali.
Eles são muito fáceis de achar, estão em todas as feiras, em qualquer mercado. Afinal, não dá para cozinhar sem os temperos. E o melhor: são baratos. Mas nem sempre foi assim. As especiarias já foram muito cobiçadas. E, acredite, elas tiveram o peso cotado em ouro. Era o tempo dos descobrimentos, e os temperos serviam para conservar os alimentos. Hoje, mais do que nunca, a ciência confirma o imenso valor das especiarias.
E na raiz de todas essas descobertas está a sabedoria popular.
A feirante Olinda Ribeiro Costa é uma apaixonada por temperos. Na feira, ela contou que tem em casa um cantinho com tudo de que precisa.
“Fica no terraço. É um pedacinho que eu adoro”, diz.
No alto, protegido do sol pela caixa d'água, está o cantinho de saúde de dona Olinda. Tem um pouco de tudo.
“É muito bom chegar e pegar um galhinho”, diz dona Olinda.
E, como sempre, as dicas do uso dos temperos para a saúde vão surgindo.
“
O alecrim é bom para resfriado porque é expectorante”, explica dona Olinda.
Alecrim contra gripe? E não é que dona Olinda tem toda a razão? A comprovação é feita por uma das melhores universidades do país, a Universidade de São Paulo (USP). A Faculdade de Ciências Farmacêuticas estuda os temperos há mais de 20 anos. E uma das conclusões mais recentes é que o alecrim combate o vírus da gripe. O trabalho foi feito em conjunto com o Instituto Butantã.
“Nós estudamos o vírus da gripe, que é o influenza, e observamos que os extratos do alecrim diminuem a replicação viral”, conta o cientista em alimentos da USP Jorge Mancini Filho.
Tudo na cozinha de dona Olinda leva um pouco de verde. No frango, vai sálvia, alfavaca e alecrim. Mas os poderes dessa planta tão cheirosa não param aí. Em testes com animais, a nutricionista da USP Ana Mara Silva descobriu outras qualidades do alecrim: um remédio poderoso contra as complicações de saúde dos diabéticos.
“Pelos resultados, reduziu o colesterol total, os triglicerídios – que são todas as gorduras, que no diabetes estão muito envolvidas com as doenças do coração”, explica Ana Mara Silva.
No mesmo experimento, o extrato de alecrim preveniu a catarata, as doenças nos rins e na retina, que são comuns nos diabéticos. É por isso que o experiente professor Mancini põe o alecrim no topo da lista de temperos indispensáveis na nossa mesa.
“O alecrim é considerado a especiaria, associada a todo o conjunto de outros vegetais, com maior atividade antioxidante. É o campeoníssimo”, afirma.
Todos têm antioxidantes, compostos químicos que combatem os radicais livres, aquelas substâncias que provocam o envelhecimento do corpo.
As descobertas no Mercadão de Madureira, no Rio de Janeiro, não terminaram. A feirante Fátima Barros conta que a mãe, a feirante Célia Diniz da Costa, de 78 anos, criou uma mistura poderosa. Dona Célia, que tem sérios problemas de circulação, diz que se mantém em pé, trabalhando, por causa das ervas que usa em chás e na comida.
Dona Fátima revela os ingredientes do tempero de dona Célia: “
Hortelã-pimenta, alfavaca, sálvia, manjerona, aipo, que é o salsão, alho-poró, manjericão e hortelã comum. É o tempero da vovó. Ela usa para temperar frango, carne, arroz, feijão. Lá em casa tudo é feito com isso. É muito difícil alguém ficar gripado”.
O Globo Repórter foi conhecer o segredo do tempero de dona Célia. Na cozinha, todos os temperos são bem lavados.
Primeiro, elas põem um pouco de óleo e quatro cabeças de alho. Depois, vão acrescentando os maços de temperos, um a um: hortelã, hortelã-pimenta, sálvia, alfavaca, manjerona, alho-poró e aipo. Para completar, cebola e pimentão vermelho, para dar cor.
“Esse trabalho vale a pena porque gastamos menos horas descascando alho e socando cebola, essa lenga-lenga toda. Já fica tempero para toda a família”, conta dona Célia.
A mistura ainda leva sal. Depois de pronto, o tempero é distribuído em potinhos para toda a família.
“É um potinho para cada um”, diz dona Fátima.
Que é gostoso, ninguém duvida. Mas e os benefícios para a saúde? De Madureira para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O potinho da vovó Célia chegou longe. A professora Gláucia Pastore é uma grande conhecedora dos poderes dos alimentos. Ela fica animada com a riqueza da mistura de dona Célia e destaca as suas propriedades: as vitaminas do Complexo B, as fibras, os antioxidantes.
“Consumindo esse tipo de tempero, a pessoa ganha a manutenção da saúde, mais reforço, mais defesa para enfrentar os diversos sistemas invasivos, microorganismos, doenças contagiosas, infectocontagiosas. A pessoa vai estar mais defendida”, explica a cientista em alimentos.
A professora Gláucia Pastore diz que as qualidades de cada tempero são reforçadas com a mistura. E confirma: dona Célia tem razão quando diz que o tempero ajuda a manter a saúde da família.
Gláucia Pastore revela os temperos que não podem faltar na cozinha brasileira: alho, cebola, alho-poró, sálvia e hortelã. E dá uma última dica: “Geralmente, quando se trata de compostos bioativos, mais importante que a dose é a constância. Então, não importa muito se essa dose não é tão igual entre os dias. O importante é que todos os dias se faça uso um pouquinho”.
Fonte:
Globo Reporter