RIO - A princípio, o casamento entre alta-gastronomia e alimentação natural pode soar estranho. Mais ainda quando está no cardápio o estilo 'raw food' - ou, comida crua.
Até que se experimenta um dos pratos feitos pela carioca Anna Elisa de Castro. Formada pelo Natural Gourmet Institute for Health & Culinary Arts, em Nova York, com especialização em culinária vegetariana e vegan, a moça consegue aliar os princípios do 'raw food' e gastronomia sofisticada.
Durante sua temporada na terra do Tio Sam, Anna Elisa estagiou e foi chef do restaurante The Plant, casa de 'raw food' de Matthew Kenney, badalado restauranter americano. Com ele, escreveu dois livros que serão lançados este ano nos Estados Unidos.
De volta ao Rio, a menina que tomou gosto pela culinária vendo a mãe cozinhar e brincando de casinha no sítio da avó vai retomar o bufê que abriu quando tinha 18 anos, oferecendo cardápio tradicional e vegetariano. Na entrevista a seguir, Anna explica as bases do 'raw food' e por que se encantou por este estilo de alimentação.
- O que a motivou a enveredar pelo ramo da raw food?
Folheto de festa temática feita por Anna Elisa.
Sempre cozinhei, mas nunca frequentei uma escola de culinária. Não queria cursar Le Cordon Bleu, por exemplo. É uma escola maravilhosa, mas não vai de encontro aos meus ideais. Sempre olhei para comida não só como arte, mas também como alimento. Só em 2005 descobri a escola que acabei cursando, The Natural Institute for Health and Culinary Arts.
Uma escola que forma chefs saudáveis. E, para conhecer a escola antes de me matricular, fiz um curso intensivo de 'raw food', com a Renée Loux. Depois, estagiei no The Plant, um restaurante só de 'raw food', do chef Matthew Kenney, o ex-proprietário e fundador do Pure Food and Wine, um restaurante badalado de raw em Nova York, entre de outras casas de sucesso. Foi importante porque ele elevou a 'raw food' ao patamar de alta-gastronomia. Depois de três meses de estágio, fui contratada para ser 'head chef' do lugar.
- É possível fazer alta-gastronomia seguindo uma alimentação saudável ou "natural"?
Claro. A quantidade de elementos que temos à disposição ao nosso redor é simplesmente infinita... Temos que olhar para essas novas tendências como possibilidades de abrir horizontes e de ter novas experiências. É como ir a um restaurante japonês, indiano ou árabe pela primeira vez. Aquela nova comida, com paladar um pouco diferente, funciona como viajar e conhecer novas culturas.Não podemos ter preconceitos com uma culinária sem carne.
" Cozinhar com elementos frescos, cheirosos, nobres e de boa procedência traz muita inspiração "
- Como é exatamente a alimentação 'raw food'?
Para começar, não existe fogo na cozinha. Não existe calor. O alimento não é submetido a temperatura superior a 42 graus. Nosso forno é um desidratador. Isso é para preservar as enzimas contidas no alimento, que é consumido da forma mais 'in natura' possível. Existem varias técnicas no 'raw'. Para deixar o alimento crocante, por exemplo, ou fazer uma base para torta, utilizamos um desidratador. Processadores e liquidificadores também são muito utilizados. Carnes, laticínios e refinados não entram. Usamos muitas sementes, grãos, verdes, frutas, cogumelos, algas, coco, cacau 100%, hortaliças, especiarias, temperos. Sigo a vertente que, além da preocupação com a saúde e qualidades dos alimentos, ainda é gourmet - uma linha criativa, interessante com novas técnicas a serem aplicadas.
- É mais difícil elaborar boas receitas com ingredientes naturais e orgânicos?
Eu acho muito mais simples e prazeroso. Cozinhar com elementos frescos, cheirosos, nobres e de boa procedência traz muita inspiração. Bons chefs prezam pela qualidade dos ingredientes.
- Que princípios do 'raw food' devem ser considerados na hora de criar um prato mais elaborado?
O 'raw' pode ser tão requintado quanto a nossa gastronomia. Como em qualquer outro prato elaborado, precisamos levar em conta cores, texturas, harmonização dos cinco sabores. O mundo do 'raw' é interessante porque estimula a alquimia. Você tem que descobrir, pesquisar, tentar, transformar.
- Há receitas impossíveis de serem feitas na culinária 'raw'?
Sim, suflês, por exemplo. Mas o legal do 'raw' não é tentar adaptar um prato comum. Mutias vezes até fazemos isso como desafio, mas bom mesmo é criar novos pratos com técnicas e paladares diversificados. Para substituir o leite, por exemplo, usamos leites mais nobres, vegetais, como o de amêndoas, o de arroz, o de coco, o de aveia.
- Mesmo com toda a preocupação com alimentação saudável, ainda há preconceito no Brasil com culinária natural?
Sim, um preconceito completamente equivocado. Canso de realizar festas e fazer cardápios incrementados, sem as pessoas perceberem que são cardápios vegetarianos e, às vezes, até vegan. O 'raw' é uma nova tendência na gastronomia, um novo jeito de apreciar a boa culinária. Não acredito numa alimentação totalmente crua, mas, fazendo parte da nossa alimentação equilibrada, ele pode trazer benefícios maravilhosos. Natural quer dizer, simplesmente, não artificial. Mas a alimentação moderna é, na maioria das vezes, baeada em enlatados, embutidos, engarrafados. Existe hoje uma falta de direção generalizada, pois temos tanta informação que não sabemos mais o que é verdadeiro ou falso. As pessoas ligam o natural a um estilo de vida que, por ser mais simples, seria sem charme. Mas isso não é verdade.
Cintia Parcias, especial para O Globo Online
Chef Anna Elisa
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