segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Nem a comida crua resolve....

Por Nina Horta

Nossa colunista comenta a recente moda americana de servir comidas cruas, envolvendo até chefs como Charlie Trotter e Thomas Keller, e questiona se ela seria adequada para o apagão brasileiro

Com a chegada do apagão fiquei pensando numa comida adequada à ocasião. A palavra que vem imediatamente à boca é "crua". Comida crua de antigamente, do apagão constante.

E eis que o "New York Times" de 11 de abril traz uma matéria com cozinheiros que se adiantaram a qualquer crise e descobriram a não-cozinha, uma modalidade de cozinha crua...

São chefs internacionalmente famosos como Charlie Trotter, de Chicago, sobre o qual o Basilico fez uma grande matéria, e Thomas Keller, do Napa Valley (Califórnia), gente que sabe das coisas e cozinha como ninguém.

O que acontece por lá é uma paranóia em relação à comida. A vaca louca não veio ajudar em nada. Comer é um perigo mais desastroso do que andar de olhos fechados em estrada movimentada. Todos os alimentos, mesmo os de mais inocente aparência, podem guardar perigos jamais imaginados, podem ser mais venenosos que a cicuta de Sócrates, conforme os alarmistas de plantão. Inventaram, então, prevendo futuras crises, a comida não cozida, a crua.

Ingredientes mirabolantes

Charlie Trotter está até acabando um livro sobre o assunto, naquele seu jeito engraçado, com receitas cheias de ingredientes mirabolantes com seus nomes completos. Vejam este prato: "Quiabo em picles de sal marinho com abobrinha tailandesa e molho de peras, acompanhado por uma trouxinha de berinjelas em conserva, flores de brócoli e couve-flor".

Feito por um perfeccionista como ele deve ficar a maior delícia.

Thomas Keller arranca nhoques dos abacates com uma colher, faz vermicelli de pimentão vermelho, cortado bem fininho, temperado com hortelã e vinagre balsâmico. Outro inventou um alho em lâminas, no vapor de uma panela apagada que cozinha por seis horas...

Acontece que para o sucesso desta empreitada de cozinha crua os ingredientes devem ser frescos, muito frescos. O tomate tem que amadurecer ao sol, as vagens são verdes , tenras e crocantes, a terra não tem fertilizantes, é tudo do mais orgânico e politicamante correto.

E para satisfazer as regras da boa nutrição usa-se de tudo um pouco. Muito abacate e polpa de coco verde como espessante, para dar consistência aos molhos, frutas secas, frutas frescas, azeite de oliva, alho em quantidade, favas, cereais.

Comida sem cheiro

Há um probleminha, no entanto. A comida crua, a comida de apagão não tem cheiro. Comida crua não tem cheiro. Os chefs, um pouco desapontados, esquentam os pratos para que se sinta uma leve fragrância.

Todos esses cozinheiros da nova moda se zangam muito quando se caçoa desta culinária. Chamam a atenção para o tempo que gastam não cozinhando. Não é só jogar uma alface no prato e mandar para o salão. Cortes finíssimos, marinadas, purês, máquinas de desidratar para se conseguir uma textura crocante e especiarias no ponto exato...

E é por essas e por outras que a comida crua é cara. Os menus-degustação desses chefs famosos custam cerca de 200 dólares por pessoa. Há aulas de cozinha não cozida. Os alunos se reúnem num estúdio com os professores e passam horas picando, preparando os ingredientes enquanto na porta vão se formando filas para a degustação dos menus.

Querem ver um menu típico? Burgers de sementes de girassol, nozes e amêndoas picadas, ligados com cebola fresca, pimentão vermelho, cogumelos, alecrim e salsa, sobre camadas de alface, tomate e pão de cereal orgânico. Molhos de tomate, mostarda, raiz forte e ketchup de tomates secos aos sol, tâmaras, manjericão, alho, gengibre e cebola. Tudo acompanhado por água de coco no próprio coco.

Nada mau, não é?

Os nutricionistass acham que não vale a pena tanto trabalho, que é ridículo achar que comida cozida não traz benefícios à saúde.

E os chefs, o que acham da opinião abalizada destes críticos?

Nada. Não estão nem aí. Na realidade o que procuram é o desafio de mais uma técnica. A comida crua, a não cozida, a comida de apagão pode ser gostosa.

E falando sério, pode ser a próxima moda. De apagão é que não é. Precisa de muito liquidificador, processador, cortadores, máquinas de desidratar, facas elétricas, espremedores, tudo o que exige uma complicada cozinha moderna.

Vai aqui, de amostra, uma receita de gnocchi de abacate.

Nhoque de abacate com maçãs e nozes raladas
Thomas Keller (French Laundry, Califórnia, EUA)

2 comentários:

RUTE disse...

Tá demais este artigo Márcia. Obrigada pela partilha.

Já vi a Zen deste mês. Obrigada pela errata. Beijinhos.

conceicao disse...

Super interessante este artigo.
Bjs

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